O Big Brother às Vezes É Mesmo um Irmão Mais Velho
A edição 200 da versão portuguesa da Courrier Internacional traz em destaque um artigo sobre a ameaça à privacidade que advém informatização crescente das nossas vidas. Ainda não tive ocasião de o ler, mas ontem, na Revista de imprensa da SIC Notícias, o editor executivo da publicação, Rui Cardoso, revelou que é contada a história de uma jovem cujo pai descobriu que ela estava grávida graças aos cupões de desconto do supermercado, o qual, por sua vez, usou os dados relativos às compras da rapariga para tirar tal ilação. Como pessoa que muito preza a privacidade, fiquei indignada. Mal sabia que umas horas depois iria agradecer os registos que fazem do meu dia-a-dia...
Sucede que recebi um auto onde sou acusada de ter pisado/transposto uma linha contínua num certo Sábado de Abril, pela hora do almoço, para os lados da Póvoa de Santa Iria. Ora, essas são bandas a que não me costumo dirigir. E, embora não sofra de hipertimesia, tenho uma memória que já foi adjectivada de prodigiosa, portanto confiei quando o meu arquivo mental me disse que não tinha estado naquele lugar, naquele dia, àquela hora. Disse-me mais, o meu arquivo mental: recordou-me que ao meio-dia de Sábado era, em Abril, habitual eu estar aos pulos e aos saltos numa aula de BodyAttack. E foi assim que o Big Brother da minha vida me ajudou, se comportou como um verdadeiro irmão mais velho protector e me tranquilizou, porque a minha ida ao ginásio está registada, bem como a hora de entrada e saída do respectivo parque de estacionamento.
Eu tive uma dupla sorte: desde logo, a minha capacidade invulgar de recordar; depois, por naquele período estar num sítio sujeito a um controlo informático que me pode defender. Não se julgue que estou com isto a propor a monitorização das nossas vidas para nossa própria segurança! De modo algum! Como afirmei, sou uma pessoa que muito preza a privacidade. O que me choca - e mais que o artigo da Courrier - é vivermos num país onde as acusações chegam seis meses decorridos após os alegados factos e em que o ónus da prova está do lado do arguido. Eu não costumo ser adepta de teorias da conspiração, mas vivo num país onde sou obrigada a considerar a hipótese do Estado agir de má-fé em situações como esta. Lamentavelmente.